A partir de determinado momento, o orgulho de não crer, de não ser crente, aquela empáfia antropocêntrica e iluminista de acreditar que a razão resolve tudo (o que significa, em grande medida, como já disse aqui, ter Fé na razão, o que é um paradoxo), começaram a se transformar num certo desagrado em não crer. A coisa começou com a percepção de que havia mais coisas ao meu redor do que eu podia compreender. Ou, ao menos, de que podia haver mais coisas, sim, além da minha capacidade de perceber. O mundo, este ou o outro, se é que outro mundo existe mesmo, tem grandes chances de ser uma coisa maior e mais complexa do que o meu poder cognitivo tem condições de abarcar. Não é em todo momento que eu penso, ou pensava, assim. Mas o número de momentos em que esta dúvida se instalou começou a crescer.
Depois veio o desejo de experimentar uma revelação. De sofrer uma epifania. Passei, de algum modo, a me sentir embotado, insensível, uma porta, sem um pingo de capacidade de ver ou sentir o Além desde aquela minha posição materialista. E a partir daquela minha velha e boa incapacidade de crer. Será que é preciso crer, ter Fé, para captar de alguma forma o outro plano, se ele existir de fato? Se for assim, se for preciso crer para ver, de novo vem o meu cérebro cartesiano dizer que há autossugestão na parada. O fantástico, para qualquer cético, seria ver sem crer. Aí sim. Prova definitiva. Mas a Fé, se dependesse de provas, teria que trocar de nome, né?
Abri como pude as portas da minha percepção ao registro daquilo que eu jamais pude enxergar ou comprovar. E percebi que, ocasionalmente, tenho medos do sobrenatural capazes de quebrar qualquer certeza na ausência das presenças que nesses momentos parecem se fazer sentir. Os números no visor do despertador que se repetem (retrato esse fenômeno no meu romance Homem Sem Nome), adivinhar a chegada ou o telefonema de alguém com segundos de antecedência. Algumas sensações amedrontadoras de presenças na casa vazia. Mudanças repentinas de humor que alguns diriam ser a troca de guarda entre os espíritos que nos rodeiam, atraídos pelas nossas energias - que alguns deles tentariam influenciar. Ambientes que jogam você para cima ou que lhe afundam no primeiro segundo em que você entra neles.
Medos límbicos, ancestrais, plenamente compreensíveis, próprios da evolução da espécie. Meras coincidências. Autossugestão repleta de superstições. Ou não. Ou então nada disso. E aquela noite em que eu não consegui dormir sozinho na casa do meu avô, no dia em que ele morreu, e que tanto me aborreceu pela falta de controle que eu tive sobre aquela sensação, e pelo fato de que a sensação não era boa numa casa que afinal sempre foi minha, talvez seja um evento para lá de concreto, ainda que não possa (ainda) ser medido e reproduzido em laboratório.
Por Adriano Silva. 16/06/2009 - 12:59Fonte: http://portalexame.abril.com.br/blogs/manualdoexecutivoingênuo
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